17 de maio de 2020

Só existe uma forma, as outras são ilusão!

Hoje vivemos um mundo de ângulos, de arestas e de formas fechadas que carregam em si uma energia de razão, lógica e estrutura onde tudo parece ser suportado pelas respostas da mente, vivemos muito ligados à matéria.

Usamos retas e arestas porque são simples, porque são mais fáceis de produzir, mais rápidas de entender e manipular e logo economicamente mais viáveis, isto é o mundo orientado pela rigidez e ânsia de materializar. Mas as consequências deste uso forçado pela imposição social e económica revela-se como limitadora e geradora de tensão interior pois não é dada à alma a sua liberdade criativa que nada mais é do que a liberdade de seguir a ordem de evolução do universo.

Por outro lado a natureza ama as curvas porque estas seguem a ordem do universo, seguem o espírito criador, mas o Ego revela resistência em integrá-las.

Entendendo esta resistência procuro encontrar nas minhas obras uma linguagem geométrica, retilínea e simplificada, mais entendível e confortável aos anseios da mente ou do Ego, uma fórmula capaz de subtilmente abrir a porta da consciência para a única forma existente, a curva.

Se nos permitirmos aceder a camadas mais profundas do nosso ser podemos constatar ou sentir que existe um mundo mais fluido e mais alinhado com o espírito criador – o mundo da quietude, onde tudo se move mas sem conflito, que é o mundo das curvas, das forças do universo.

O universo é regido por duas forças opostas complementares, uma centrípeta e contrativa e que se move numa espiral descendente à qual podemos chamar força do céu, e outra centrifuga e expansiva que se move numa espiral ascendente, chamada de força da terra. Estas duas forças tudo animam e materializam.

Faz-me cada vez mais sentido esta perceção de um mundo curvilíneo, em espiral, assim como partilhar esta visão com todos os que estejam dispostos a abrir os seus corações suficientemente para sentir esse fluxo de satisfação e êxtase.

Viver uma vida curvilínea é fluir com ela, é a verdadeira arte da contemplação, do receber, do sentir, da manifestação espiritual.

É limitadora a falsa crença de que estados mais elevados de consciência são intangíveis, quando na verdade eles estão bem dentro de nós e estão apenas tapados, ofuscados por uma massa informações e conceitos passados de geração em geração e alimentados por um Ego que procura a segurança em detrimento do caminho incerto da evolução.

Para ultrapassar ou resignificar velhos conceitos é necessário parar, contemplar, suavizar o nosso olhar, o nosso toque a nossa voz e silenciar a nossa mente, rendermo-nos ao que é, de deixar ir, fluir e viver no essencial, no principal, deixando de perseguir o supérfluo e dar apenas atenção necessária ao complementar.

É necessário viver mais no espírito e dançar com as forças yin e yang, permitindo que as arestas comecem a perder os seus ângulos e a consciência expanda, dissolvendo os limites, como se o dia e a noite se fundissem, o pessoal se tornasse impessoal, como o que parece meu fizesse agora parte do coletivo, como se as palavras se tornassem música.

O essencial é olhar para dentro, sem medo de entrar no desconhecido, pois nesse centro está refletido o todo, e não existe nada mais forte e mais suave no universo, se não a curva cujo fluxo tem apenas um ponto comum, o centro.

Não existe aprendizagem possível sobre a curva, não existe um mapa que nos leve ao centro, não é possível ensinar o caminho através de uma estrutura, sequência ou linguagem, é antes algo que habita dentro de nós e que é despertado.

Falei algumas vezes sobre isto acerca da minha obra artística, sobre rendição, sobre contemplação, sobre despertar, sobre sentir profundamente o corpo. O corpo é a nossa ligação entre o espírito e a matéria, através de arcos e curvas, de cruzamentos e afluências, animado de movimentos de contração e expansão sem que seja necessária qualquer ação, ninguém faz qualquer esforço para respirar, é natural, é a manifestação do espírito vivo da consciência superior.

No entanto, existem atalhos que através de sinais ou símbolos servem para provocar a consciência, apresentam-se como um gatilho para a contemplação que é a libertação da imagem ou da ideia preconcebida, pois só assim é possível quebrar a rigidez e permitir aceder ao verdadeiro poder e conhecimento interior, ao êxtase, numa verdadeira sucessão de curvas, uma após a outra num processo interminável.

Acácio Viegas